terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Olhai os livros nos campos



Escrevo os últimos relatos de nossa jornada no solo sul-africano. Transformadas em nosso caminhar, releio notas, diários e percebo as enumeras experiências a se desdobrarem em infinitas alegres possibilidades. Semelhantes aquelas minúsculas flores que enfeitam o nosso andar, mas que podem passar desapercebidas para aqueles e aquelas que se atentam para a grandiosidade do mundo.

O toque da massagista de shiatsu cartografa no corpo os fluxos e os obstáculos superados na dança da vida. Vislumbra-se luz e paz, apos conhecer face a face o lado sombrio de si. Vales e Alpes. Em sonhos, portais que se abrem para o vazio; pedras, rochas, montanhas contracenam beleza, manifestam leveza a contrariar a gravidade da verdade não dita.

Demoro-me no andar, me deito no olhar, capturo a paisagem humana, artística, e os livros nos campos. Subo as escadas do prédio na biblioteca central, a musica clássica denuncia a expectativa do local; o porteiro sorri amigável quando cumprimento em isiXhosa: “Molo buthi.” E responde: “Molo sisi”. Obras de artes são colocadas em lugares propositalmente escolhidos. A escultura da banhista pronta para mergulhar no espaço vazio entre um andar e outro. O ovo de alambrado brinca com a percepção de quem vê, propõe um exercício de coexistência entre forma e conteúdo, sugere habitação e gestação em espaços impossíveis E ali vou encontrar amigos e amigas desta viagem: Njabulo Ndebele, Antjie Krog, Hannah Arendt, Susan Sontag, Martin Buber, Judith Lewis Herman... e muitos outros e outras que me inspiram a descrever a estética do silêncio. Silêncio vivido, pesquisado, indagado. Nas brincadeiras da pequena. Nas vivências do grupo de meditação Nas falas durante as entrevistas. Na poesia de M. NourbeSe.

Na cantina da School of Dance durante o almoço observo a “Cape Town City Ballet” ensaiar exaustivamente para as apresentações de final de ano: Copelia, A bela adormecida, Quebra-Nozes. Observo e reconheço aqueles corpos, de um ponto de vista desconhecido para os próprios dançarinos, mas reconhecido nesse corpo que dança – memoria ou fluxo temporal? Assim, testemunho com empatia o cansaço, a queda na hora errada, o desafio proposto, o limite mal recebido, a dor invisível, os aplausos, o riso de satisfação e os risos da ironia. Vida dedicada a dança. Dança dedicada a vida que descrevo aqui na página de um diário: palavra que um dia foi flor, flor que que já foi caminho, que um dia será livro, livro que será um lírio nos campos da vida...

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Montanha e Nuvens




Eu sou nuvem passageira que com o vento se vai... Semana passada eu e a pequena fomos visitar Hermanus uma cidade turistica que abriga as baleias. E la observamos as maes baleias ensinando seus bebes a atentar para a direcao do vento para velejar para os mares polares para se alimentarem. Em Hermanus, inspirada nas baleias, tambem ensinei a pequena a velejar no mar da vida, quando tive que confrontar um episodio de conteudo racista com um garcom. E vivenciei na pele, um exemplo nefasto das relacoes entre negros e brancos dessa sociedade em mudanca. Como escreveu Mandela – longa estrada para liberdade.

Voltamos a Cape Town, e a montanha e com sua estabilidade,e as nuvens passageiras... me fez lembrar que estamos a voltar para casa. Olhamos a janela, o sol forte, das seis da manha a 7 da noite. O predio em construcao quando chegamos em fevereiro , agora ja se prepara para acolher muitos estudantes de varias partes do planeta. O predio do hospital do coracao nao parece tao distante com antes. Ao sair nas ruas, sinalizamos com a cabeca, ou com aceno das maos e o Taxi (a van), ja para. Ainda temos algumas tensoes acerca da pequena pagar, mas, ja percebemos que faz parte das negociacoes diarias. Para evitar problemas geralmente dou R 10, alguns cobradores dao o troco R5 para pequena e fala para ela comprar doces. As vezes os passageiros reclamam de cobrar crianca. Seguimos.

Na escola a pequena se prepara para sua apresentacao no final de ano, e sua formatura, canta em Ingles, reclama em Africaans, e aprende as brincadeiras das criancas Xhosa, amigas que ela se refere como “Xhosa people”. Aqui na School of Dance, o semestre esta a terminar, acompanhei os exames praticos, as apresentacoes das turmas e professores. Semana passada participei da cerimonia, onde recebi o certificado do curso de lingua IsiXhosa.

Recentemente ofereci um workshop de danca de 12 horas para os associados da Cape Town Society for the Blind. Foi muito bom descobrir outras texturas e os aromas do conhecimento de si mesmo. Tamara Roberts me acompanhou atentamente e parece que uma semente do Potlach foi plantada por aqui. James Tayler registra com a camera as criancas, os dancarinos com cegueira, as pedras, as ondas do mar. O filme agora em edicao revela o tempo ciclico de uma cidade mantida aos pes de uma montanha, com muitas nuvens que chegam e se vao...

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

AÇÃO POLÍTICA E AFIRMATIVA


AÇÃO POLÍTICA E AFIRMATIVA: DANÇA E CORPO NO DISCURSO EDUCACIONAL SUL-AFRICANO PÓS-APARTHEID
Ida Mara Freire

Resumo

Como parte de uma pesquisa acerca da contribuição da dança nos processos de reconciliação, o presente artigo apresenta uma leitura preliminar da dança no contexto educacional sul-africano pós-apartheid. Dois aspectos são enfatizados, primeiro, a dança como a ação política e, segundo, o corpo como comunicação. A dança como uma ação humana, mais que celebrar a diferença, afirma a alteridade do corpo que dança. Nota-se assim, a aproximação do corpo, a dança e o perdão. E a conclusão anuncia novos começos na educação.
Palavras-chave: Dança. Corpo. Alteridade. Educação.

O Teatro Transcende, Vol. 16, No 2 (2011)
http://proxy.furb.br/ojs/index.php/oteatrotranscende/indexVer mais

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Compreensao e Compaixao



Hoje Desmond Tutu celebra 80 anos de existencia. E um dos presentes que ele gostaria de receber neste ano seria a presenca do Dalai Lama na sua festa de aniversario. Infelizmente, o Dalai Lama cancelou a viagem em virtude da demora da emissao do visto para entrar no solo sul-africano. Supoe-se que a demora, poderia ser provocada por motivos politicos-economicos, ao considerar que o governo chines e um dos maiores investidores na Africa do Sul, e sabemos bem sobre a relacao da China com o Tibet.

Esse episodio me fez lembrar mais uma vez da Hannah Arendt e sobre sua nocao de compreensao. Para ela, o que nos deixa a vontade no mundo e compreendermos o nosso processo de vida, pessoas singulares num mundo plural. Minha estada no continente Africano coloca-me diretamente com a acao politica desses dois lideres. Desmond Tutu e Dalai Lama ambos ganhadores do premio Nobel da Paz.

Ao estudar a Truth and Reconciliation Commission (Comissao Verdade e Reconciliacao), liderada pelo Bispo Anglicano Desmond Tutu, percebo o impacto que essa causou para o pais comecar a caminhar pacificamente na estrada do governo democratico. O processo de escuta da voz da dor do outro possibilitou esse pais se abrir e aprender a conviver com a diferenca, isso para mim e um exemplo vivo de busca de compreensao. Ir a uma audiencia publica (transmitida pelo radio e televisao) e indagar pelo desaparecimento de pessoas queridas, historia bem conhecida por nos latinos, pois tambem temos um passado: Brasil, Nunca Mais! E as Maes da praca de maio... eis uma atitude de reconciliar-se com o passado bem presente na vida que segue. So podemos ser livres se reconciliarmos com nosso mundo e com nos mesmos.

Mas, alem da possibilidade do perdao o que mais a filosofa Arendt ensina? Ah... Inspirada na acao do rei Salomao ela sugere que devemos cultivar um coracao compreensivo. O conhecimento nao basta e necessario tambem o amor. E ai vem minha ligacao com o Dalai Lama, que tive a oportunidade de sauda-lo pessoalmente durante um retiro Budista em Curitiba, em uma das suas visitas no Brasil. O Dalai Lama ao inspirar o Buda da Compaixao, me ensina sobre a interdependencia, como nossas acoes afetam os outros a as acoes dos outros nos afetam.

Na filosofia africana seria a nocao de ubuntu. Para o juiz JY Mokgoro, ubuntu descreve, dentre outras coisas, uma filosofia de vida cujo senso fundamental representa humanidade, humanidade e moralidade; uma metáfora que descreve uma solidariedade de grupo central à sobrevivência de comunidades com uma escassez de recursos onde a convicção fundamental é aquele "motho ke motho ba batho ba "ngabantu de ngumuntu de bangwe / umuntu que, literalmente traduzida, significa uma pessoa pode ser só uma pessoa por outras pessoas.

Feliz Aniversario Desmond Tutu. Na celebracao da Vida, Compreensao e Compaixao esses sao dois presentes que a humanidade precisa cultivar para a saude das nacoes. Espero que o povo sul-africano que ja recebeu a possibilidade de compreender seu passado, possa num futuro proximo acolher a compaixao. Que liberdade sera uma nacao plural como essa a cultivar um coracao compreensivo.

Ao pesquisar a memoria do corpo que danca, nao podemos esquecer de lembrar da memoria do coracao. Lembrar que o coracao tem razao que a propria razao desconhece. Essa licao quem me ensina e o ser amado.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A mistica do trabalho de campo




Estamos a terminar o mes de Setembro e caminhamos agora no nosso ultimo quadrimestre no solo sul-africano. Nossos deslocamentos por Cape Town acontecem sem tantos solavancos. Nas ruas os sem-tetos sorridentes e amistosos ja nos reconhecem do trabalho voluntario. Ja entendemos bem a comunicacao para lidar com os Taxis (as vans). Nossos passeios se ampliam, alem da descoberta do jardim botanico Kirstenbosch (foto acima de Mike Golby), incluimos a costa maritima, participamos agora do grupo ecumenico de educacao ambiental “A Rocha” http://www.arocha.org/int-en/index.html, que inclui caminhadas ecologicas.

E danca muita danca por aqui. A noite de abertura da temporada do Lago do Cisne, fez a pequena sonhar, tanto quanto a contemporanea versao de Pedro e o Lobo, ambos produzidos pelas professoras da UCT School of Dance. As aulas praticas e teoricas de Danca Africana de Maxwell Xolani Rani tem inspirado debates acerca do tema modernidade e pos-modernidade na danca sul-africana tal como exemplifica a danca de Gregory Maqoma http://youtu.be/ACvzEB4NZ1s

As entrevistas sobre danca e perdao foram concluidas esta semana, entrevistei dancarinos/as, pastores, traditional healers (curandeira/o), rabi, e imaam (lider islamico), de respectivos grupos humanos negros, brancos e indianos. As belas narrativas revelam insolitas facetas da danca. Aprendo com Eduard Greyling a fazer notacao da danca africana. Descubro nas aulas isiXhosa que esta lingua e como um poema.

Ao ler o texto de Adrienne L. Kaeppler: The Mystique of Fieldwork. In: Theresa J. Buckland Ed. Dance in the field: theory methods and issues in dance ethnography. New York: St. Martin’s Press. 1999. P.13-25, atento que os antropologistas estão interessados em entender como o significado é derivado do movimento, como a estrutura de um evento deve ser entendida para derivar o significado disto, dai a necessidade de entender as atividades que geram sistemas de movimento e como e por quem é julgado o movimento. Para fazer isso a autora recomenda: 1. Olhar, na observação participante elementos importantes incluem observacao do conteúdo do movimento e seus contextos; 2. Aprender o idioma do grupo pesquisado, que alem de ser importante para comunicação explicita ênfases lingüísticas e também fornecem chaves a ênfases culturais ou sociais, e a estrutura do idioma pode ser a chave do movimento e outras estruturas; 3. Gravar a informação em uma variedade de modos: notas pessoais, notação de movimento, gravação de filme / vídeo das performances em seus contextos e, 4. Fazer análises preliminares de sua própria observação e participação como também pelos olhos dos artistas e da plateia.
E, como voces podem ver, temos muito trabalho pela frente, mas seguimos animadas e agraciadas pelas cores e flores dessa primavera. E tambem, em saber que logo logo estaremos no calor do verao nos banhando no nosso saudoso mar do campeche. Enquanto isso vamos a danca...

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A força motriz na vida humana





Ontem chovia por aqui, fazia frio, ventava. Um dia totalmente ao contrario de hoje, ensolarado, apenas uma brisa passa por aqui. A montanha com poucas nuvens ao seu redor. Mas, para dar um tom diferente nada como alimentar o espirito. Pois, la fui eu na aula do professor convidado Shaykh Fadhlalla Haeri, filosofo, escritor e professor de Sufi. Sua palestra intitulada “The Quest for the Highest Consciousness: The Driving Force in Human Life”. [A indagação para a consciência mais alta: A força motriz na vida humana]. Ele trabalhou tres temas: 1. A existencia de uma forca motriz humana; 2. Evolucao nao e randomica; 3. A forca motriz para um outra zona da consciencia. Argumentou que como seres humanos nao precisamos ficar confinados na perspectiva tempo-espaco. Questionou a nocao personalizada de Deus. Que inpirados em seres humanos como Jesus Cristo, deveriamos buscar o equilibrio entre o humano e o divino. Orienta o cultivo de um estilo de vida que um novo nivel de consciencia possa emergir. Recorda que ja houve periodo na especie humana para o tempo de nao fazer “nada”. Comenta a nocao de interdependencia. Que todas as coisas estao interligadas. Responde que embora a mente intelectual seja relevante para alcancarmos outros niveis de consciencia, o amor e a felicidade nao sao atributos do pensar. Ao estudar as religioes devemos sempre considerar o contexto, a cultura e a linguagem. A descoberta do sagrado, a descoberta da verdade estao relacionadas ao auto-conhecimento. Participar desta aula abriu um pouco mais a minha mente e o meu coracao. E isso trouxe mais liberdade para o meu corpo dancar.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Jornadas na Africa do Sul




Aqui estou oferecendo as Jornadas na UCT School of Dance. O Grupo selecionado pelo diretor e o colaborador Gerard Samuel corresponde a seis estudantes do curso Performing Studies. Hoje, como algumas pessoas que ja fizeram esse trabalho comigo devem lembrar, a primeira jornada trabalhamos a nocao de kinesfera do Rudolf Laban, o espaco vital, entramos no casulo e nos preparamos para nossa transformacao voluntaria. E foi belo de ver como duvidas deram lugar para curiosidade, o divertido se tornou descoberta, e a tensao motivou a liberdade de expressao. E mais uma vez me surpreendi com a autonomia dessa metodologia de ensino de danca. Como ela fala e faz por si so. Apenas confio no processo. Quanto mais a pessoa se entrega mais ela recebe. E assim, me maravilho com as flores dessa primavera que chega triunfante por aqui, lembro-me do Pequeno Principe ao conversar com sua rosa, sugerindo que devemos "suportar" as largatas se quisermos ver as borboletas...

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Viva Pina Bausch!



Sexta-feira foi a abertura da Conferencia Film & Dance- innovative art on the rise, patrocinado pelo GIPCA, no departamento Drama, aqui da UCT. E para comecar muito bem o evento, assistimos o Pina Bausch em 3D, a homenagem amorosa de Wim Wenders (http://www.pina-film.de/en/about-the-movie.html). Sabado e Domingo foi intenso em trocas, experiencias, olhares e encontros. O tema em pauta foi a colaboracao entre filmmakers e coreografos/dancarinos. Pelo relato dos participantes, alguns destacaram o bom-humor como caracteristica fundamental, outros destacaram a descoberta, a disponilidade de trabalhar junto. Destaco aqui o trabalho Jeannette Ginslov (http://jeannetteginslov.com/). A parceria interessante de Nelisiwe Xaba (http://www.nelisiwexaba.co.za/) e o filmmaker Mocke Jansen van Veuren que com suas sobreposicoes de tempo e espaco inusitadas, por exemplo, um terminal urbano em diferentes momentos do dia/noite e pessoas nadando, ou tendo aulas de danca de salao,explora nocoes de uma filosofia do ritmo da imagem. Ah tambem o belo trabalho de James Tayler sobre fronteiras entre o virtual e o real, vejam o trabalho dele intitulado Fragmented (http://www.youtube.com/watch?v=eywkP5L3D24)
Danca e filme, uma parceria possivel, Wim Wenders eterniza o movimento efemero e vivo da bela Pina. Viva Pina Viva!


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Nutrir o Corpo e a Alma

Hoje vou escrever sobre Cafes e restaurantes. Coloco aqui tres lugares em Cape Town. Cafe Sofia em Rodenbosh, Cocoa em Observatory e Kitchen em Woodstock. O cafe Sofia, vale a simpatia de Silvia, a jovem estudante do Congo, que nos atende com alegria, quando vamos almocar la em alguns domingos. Os pratos bem preparados, um suco de morango delicioso. E ainda, a cortesia de crianca nao pagar a refeicao. O cocoa, o fato de ser pertinho de casa, ajuda muito, tem uma area externa com um jardim pequeno bem decorado. Internet. Cafe, chocolates,sucos, saladas deliciosas, e livros para a pequena colorir. Mes passado, Ruth Levin me levou para conhecer O kitchen, em woodstock, bairro historico em Cape Town, conseguiu sobreviver as politicas do apartheid, e se manteve como uma populacao multicultural, hoje abriga galerias de artes, o restaurante e uma graca, as paredes repletas de pequenas telas com pinturas com temas diversos. A comida saudavel, bem servida. As xicaras e pires, compoem a bela colecao de porcelanas antigas, que da um toque especial ao servir o cha. Recentemente Michele Obama e as filhas, em visita oficial ao pais, escolheram esse pequeno lindo cantinho para almocar. Essa primeira dama, realmente e inspiradora. Bem , leitores e leitoras se somos aquilo que comemos, com certeza nossas escolhas devem nutrir nosso corpo e nossa alma tambem, nao e mesmo... Bom Apetite!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Corpo e Casa

Em julho apresentei na Confluences 6 Dance Conferencia, o trabalho sobre corpo-casa da memoria e a experiencia com a cegueira. Tenho escrito sobre isso assim como sobre a casa como corpo. Tal como ja mencionei aqui a exposicao de Lucila Vilela -Casa - http://interartive.org/casa_plan.html

Aqui em Cape Town visitei dois museus que foram casa e que hoje acolhem objetos e narrativas sobre a vida de uma artista ou de uma comunidade.

A casa de Irma Stern, fica proxima do Campus da UCT e apoiado tambem por esta instituicao. Ja fui la duas vezes, uma vez fui com o grupo de estudantes do Seminario de Historia da Danca Africana, ministrado pelo Gerard Samuel. E recentemente fui com a coreografa Carol Abizaid [www.youtube.com/watch?v=TMiBYJiGpzI]
vermos uma exposicao sobre Corpo e Self. Carol trabalha corpo e trauma em tempos de guerra. Voltando a casa-corpo de Irma Stern, o lugar e belo, tem um lindo jardim com esculturas feitas por Irma. Os objetos que ela trazia de suas viagens pela Europa, Congo e Zanzibar estao exposto pelos comodos da casa. Uma das portas da casa e de Zanzibar. Tambem ha o seu atelie. E suas obras. Aqui o site do museu www.irmasternmuseum.com

Outra visita que acompanhei o grupo de estudantes foi o Distristc Six. Trata-se de um espaco de resistencia durante a era do apartheid. Mas, do que isso o museu reconstroi como era uma casa, a barbearia, retrata o estilo de vida, de uma comunidade diversa culturalmente que vivia em harmonia ate se desmantelada. A sua localizacao em uma das melhoras encostas da Table Mountain, motivou que o governo retirar essa populacao de la e privilegiar a area para as pessoas “brancas”. No entanto, seu plano foi frustrado quando essa populacao se recusou a morar neste local. Hoje o que vemos ali e uma area “nobre” porem, sem muitas habitacoes. Marcas da arquitetura de um pais em transformacao. Mais informacoes www.districtsix.co.za

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sou responsável pelo meu corpo


Quem já participou de alguma aula de dança comigo, deve-se lembrar do momento que peço para que falem seu nome e em seguida façam a afirmação: “Sou responsável pelo meu corpo”. Depois de aproximadamente dois meses participando do trabalho voluntário de atenção às pessoas sem-teto, apresentei para o pastor e os outros voluntários a ideia de um trabalho corporal, com intuito de se perceberem como seres singulares na pluralidade humana. Uma busca de compreensão sobre o nosso processo de vida. Compreensão, essa tão bem discutida por Hannah Arendt, para essa autora, trata-se de um processo complexo, ou seja, uma atividade interminável, por meio da qual, em constante mudança e variação, aprendemos a lidar com nossa realidade, reconciliamo-nos com ela, isto é, tentamos nos sentir em casa no mundo. (...) A compreensão é interminável e, portanto, não pode produzir resultados finais; é a maneira especificamente humana de estar vivo, porque toda pessoa necessita reconciliar-se com o mundo em que nasceu como um estranho, e no qual permanecerá sempre um estranho, em sua inconfundível singularidade. A compreensão começa com o nascimento e termina com a morte.

Aceito a proposta, comecei então pedindo para que todos/as atentassem para o exercício que era bem simples, mas que era de grande valor. Solicitei que cada um falasse seu nome e em seguida falasse a frase: sou responsável pelo meu corpo. E assim, cada pessoa ali presente foi pronunciando a frase, uns em inglês, outros em afrikan, outros em Xhosa, e eu em português. Algumas pessoas se levantaram e falaram em voz alta. Outras sentadas, falaram pausadamente, outras sussurraram, e teve uma pessoa que disse com honestidade, que não se sentia responsável pelo seu corpo, porque fazia coisas que não fazia bem para o corpo: bebia, fumava, às vezes era violenta e pediu que orasse por ela. Sua sinceridade foi inspiradora, saímos dali refletindo sobre como somos ou podemos nos tornar responsáveis pelo nosso corpo, ao ponto que o nosso ser-no-mundo seja equivalente com o ter do mundo. Nilton Bonder nos ensina que a vida se dá na tensão entre o ter e o não ter. O gratuito é o “não ter” que devemos estar constamente considerando junto com o que “ter”. Se não considerarmos a possibilidade de “não ter”, vamos perder todas as oportunidades do que é gratuito neste mundo.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Na companhia dos ancestrais

Aqui na sala 210 entre flores, desenhos da pequena na parede e varios livros sobre historia oral, direitos humanos e Truht and Reconciliation Commission por perto, na mesa uma xicara com cha roibos, o telefone e computador recentemente recebido, que voces ja percebem ao ler o texto sem acentos e outros sinais da lingua portuguesa ausentes. E tem o aquecedor para os dias frios. Esse e o cenario desse belo dia ensolarado, sem vento. Os passaros e a musica no fone de ouvido fazem a trilha sonora, alem do barulho do teclado.
Hoje me sinto melhor, depois de algumas semanas com o corpo dando sinais de exaustao. Eliminando os excessos e a lidar com a perda da minha linda cachorra Grey. Mas, o tempo nao para, como encantou Cazuza. E aqui seguimos aprendendo e crescendo, fazendo valer cada instante dessa nossa misteriosa existencia. Afinal, como escreveu a bela Clarice Lispector: Viver transcende todo entendimento.
Nas ultimas semanas temos vividos experiencias intensas com a danca sul-africana. A comecar com participacao de uma cerimonia com tradicionais "healers". Esse convite veio por parte de uma mae da escola da pequena que vivem numa Eco-vila. Vale lembrar que ela e uma inglesa branca e ele um sul-africano ruivo. O lugar antes era um hospital psiquiatrico e agora abriga varios projetos "alternativos". Nos fomos la assim que chegamos, para comemorar o aniversario da amiguinha, a pequena se soltou num "castelo" um pula-pula com agua. O pedaco de bolo da pequena caiu no chao, e me recordo a anfitria dizer: E para os ancestrais. E assim, comecamos nossa amizade. Ela sabendo do meu trabalho sobre danca, perguntou se eu teria interesse de ser convidada para uma cerimonia com os curadores ou curandeiros. Vou continuar usando a palavra "healer". Esse dia chegou, foi um final de semana, comecou a cinco da tarde e eu a pequena chegamos em casa as 3 da manha. Saimos da Eco-vila as cinco horas da tarde para levar as oferendas na floresta. Fomos em dois carros, eu e a pequena fomos na van, as mulheres foram cantando e tocando o tambor. Chegamos no Parque Florestal no alto da Table Mountan. Oferendas foram feitas embaixo de uma arvore e depois no rio, sementes, plantas foram entregues com cancoes e oracoes. Ver as criancas soltas no parque ao anoitecer, brincando, correndo de um lado para o outro foi uma otima sensacao. Depois voltamos para eco-vila e encontramos mais umas seis pessoas. Havia aproximadamente uns vinte adultos e tres criancas. Sentamos ao redor de uma fogueira. Mulheres com rosto pintados de branco, com turbantes coloridos, cobertores envolvidos nas costas, saias longas. Na noite recem chegada, me senti de volta a um tempo sem memoria. Alguns metros dali um grupo de aproximadamente seis homens, fizeram os sacrificios dos animais: uma ovelha e dois carneiros. Antes do sacrificio fizeram mencao aos ancestrais e abencoaram os animais. Em seguida, o dois healers mais antigos, conduziram a cerimonia. Bebidas foram servidas, e depois algumas partes dos corpos do animais foram assadas na fogueira e repartidas no grupo. Curiosa, em saber o porque daquelas partes perguntei para um jovem healer, ele falou que fiz a pergunta certa, mas a resposta provalvelmente somente os lideres da cerimonia (o homem e a mulher mais velhos do grupo) deveriam saber. Esse jovem branco norte-americano que um ano atras seguiu seu sonhos (literalmente) e veio fazer treinamento na Africa do Sul, me falou rindo que antes ele trabalhava com doentes mental e agora ele era considerado um deles. Entramos num salao e a danca comecou. Em circulo alguns dancavam e outros observavam, outros cozinhavam. A anfitria me deu a camera fotografica para eu tirar as fotos. E notei que uma mulher fazia comentario, sempre que o flash aparecia. Num momento da cerimonia, falei com ela que as fotos era a pedido da anfitria. Elas sorriram e falaram que a mulher estava a fazer piada comigo. Os passos da danca eram ritmados pelo som do tambor. Alguns faziam os passos com mais elevacao, outros menos, havia uma alternancia dos passos, com contra-tempo. Cada healer tinha um modo dancar especifico, principlamente algumas mulheres. O tambor tambem tinha uma batida que uma tradicional healer fazia questao de sentir a vibracao. Ela sempre vinha dar o tom. Em uma das maos cada um levava um galho de arvore que variam de entre 30 a 60 cm aproximadamente. Esses eram envolvidos em micangas, com desenhos geometricos multicoloridos. Os movimentos dos bracos, eram de extensao e contracao. Os passos no circulo eram feitos no sentido horario. As criancas aprendiam os passos, rapidamente na observacao e na escuta das batidas do tambor. Quando cansavam se retiravam, observavam e depois voltavam a roda. A cada momento, um/a healer trazia uma mensagem e depois cantava e dancava. Falavam da importancia de ter pessoas brancas interessadas, no grupo alem do casal que nos convidou, havia mais dois homens brancos. Recomendaram a aprendizagem da lingua Xhosa. E davam orientacoes. Atentei que uma delas invocou o nome de Jesus e o conteudo de sua mensagem foi bem crista e uma de suas cancoes em Xhosa, era a mesma que entoamos quando vamos ao culto na igreja metodista. No grupo havia uma jovem universitaria Xhosa, que parou os estudos para fazer sua formacao como tradicional healer. Ja haviamos encontrado ela no supermercado, acompanhada do casal, ela vestia os trajes da tribo dela, andava descalca, e agachada apoiada em dois galhos de madeira. Embora para nos a cena era insolita, mas para as pessoas no supermercado, tudo parecia bem normal. E esperado que cada familia envie um filho ou uma filha para ser tradicional healer. E tambem comum que todos facam os rituais que reverenciam os ancestrais, independente da religiao atual. Eles voltam as aldeias e durante os rituais eles sao lembrados pelos mais velhos de onde eles vieram e sobre seu verdadeiro self.
Voltando a cerimonia os anfitriaos me perguntavam com frequencia como eu estava, demonstravam atencao e tentavam me deixar a vontade. Ele me perguntou o que estava a pesquisar , falei sobre a danca e o perdao. Ele me disse que quando as pessoas dancam, as pessoas transmutam a realidade, e conseguem perceber ela e outro numa outra dimensao e isso facilita o perdao. A experiencia dele com o perdao, ele aprendeu com um medico homeopatico que sugeriu ele escrever uma nova estoria com episodio que envolvia perdao. Se a experiencia foi traumatica, faz necessario perceber essa experiencia de uma outra maneira. Contar essa estoria de um modo que faca sentido e libere perdao.
Por fim, a pequena nao conseguia dormir e voltamos para casa agradecidas, por esse momento de nossa viagem que tivemos o privilegio de reverenciar os nossos ancestrais.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Educação e Diversidade Étnico-Racial

Essa é a capa da revista organizada pelas professoras Vânia Monteiro e Beleni Grando.
v. 28, n. 1 (2010): Dossiê - Educação e Diversidade Étnico-Racial
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/index




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Apresentacao 11

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0 Dossiê Educaçao e Diversidade Etnico-Racial, organizado pelas professoras Beleni Saléte Grando, da Universidade do Estado de Mato Grosso, e Vânia Beatriz Monteiro da Silva, da Universidade Federal de Santa Catarina, materializa um dos projetos desenvolvidos a partir do Programa de Cooperacao Académica Procad-Amazônia. 0 programa tem por objetivo o intercâmbio entre pesquisadoras e pesquisadores das duas instituiçôes, buscando qualificar suas pesquisas e de seus orientandos, contribuindo, assim, para a formaçâo nos seus respectivos programas de pós-graduaçâo em Educaçâo.


A proposta do Dossié foi reunir pesquisas desenvolvidas na temática Educaçâo e diversidade étnico-racial” de diferentes regiôes do PaIs e de outros paIses americanos, visando a contribuir para a discussâo no campo académico. 0 pressuposto orientador é de que as experiéncias sociais revelam determinadas condiçôes e relaçôes de poder marcadas pela exclusâo por condiçôes étnico-raciais ou maiorias empobrecidas das nossas sociedades ocidentalizadas, onde impera o poder colonizador que, na escola, homogeneIza os saberes para hierarquizar os poderes.


Compreendemos que a funçâo socializadora dos estudos desenvolvidos no âmbito da Educaçâo no Brasil ganha especial significado quando seus objetos pautam elementos inscritos nas interaçôes sociais, refletindo processos ou mesmo as resultantes de distinçôes ou valoraçôes que posicionam sujeitos e suas produçôes histórico-culturais. As décadas em que se inicia o século XXI sâo palco de um formidável movimento académico e polItico-cultural em que aqueles elementos sâo perscrutados incessantemente pela pesquisa, pelo compartilhamento do debate em runs os mais diversos, como também por constituIrem polIticas sociais.


Neste contexto, apresenta-se para as universidades páblicas uma oportunidade Impar para compartilhar o debate crItico acerca dos preconceitos presentes em diferentes cenários sociais, urbanos ou rurais, comunitários, universitários, escolares, enfim, os contextos sociais em que se projeta sobre pessoas e/ou grupos a exclusâo de processos sociais relevantes para sua educaçâo. Por certo que tal exclusâo se realiza por uma





dinâmica complexa, muitas vezes sutil, na forma de obstáculos, interdiçôes como na criaçâo de um universo simbólico que mobiliza e sustenta padrôes determinados.


Os marcadores sociais podem variar entre a cor de pele, o repertório lingulstico, a escolaridade, condiçâo como ser mulher, criança, ser trabalhador, enfim, por suas formas diversas de ser.


O artigo de Joselina da Silva, do Nordeste brasileiro, responsável pela obra 0 Movimento Negro Brasileiro: escritos sobre os sentidos de democracia e justica social no Brasil (2009), propôe uma análise sobre a participaçâo das mulheres negras no ensino universitário, apoiando-se nos indicadores Sinaes/INEP, revelando uma imensa desigualdade de oportunidades pela ótica das dimensôes de género e étnico-raciais no Ensino Superior. Seu artigo Doutoras professoras negras: o que nos dizem os indicadores oficiais instiga a refletir sobre uma histórica exclusâo evidenciada até 2005.


Com Maria Lácia Rodrigues Muller, do Centro-Oeste, vem 0 registro da cor em requerimentos para concursos de professores, a origem racial dos professores que acessam o magistério páblico na Primeira Repáblica, no Rio de Janeiro, entâo capital do Pals, com o branqueamento que vai se consolidando no magistério do Distrito Federal. Seu texto discorre sobre como a cor da pele, um atributo biológico, assume um conteádo cultural, social e moral no Brasil e exclui mulheres negras da carreira do magistério.


Do Norte, Wilma de Nazaré Bala Coelho faz uma análise sobre a teoria da igualdade de Ronald Dworkin, com o texto A experiência estadunidense das açóes afirmativas: uma análise a luz da teoria da igualdade de Ronald Dworkin, discutindo as açôes afirmativas estadunidenses a luz desta teoria que se coloca contrária a qualquer polltica compensatória em relaçâo a direitos de uma raça em relaçâo a outra. Partindo da realidade dos Estados Unidos, desvela os entremeios do sistema de cotas para a Educaçâo Superior e afirma que, para transformar a situaçâo de desigualdade existente historicamente dos afrodescendentes, devem-se pensar mudanças estruturais no seio da própria sociedade.


Com a leitura do texto do professor estadunidense Warren Hope, intitulado Negando igualdade de oportunidades educacionais: foco no monitoramento de habilidades na Educaçao Especial, somos levados a reconhecer como os afro-americanos foram sendo discriminados e





excluIdos dos bancos escolares pela segregacâo, pelo monitoramento e, mais recentemente, pela Educacâo Especial. Como afirma o autor, os cursos que lhes sâo ofertados sâo os que nâo levam a lugar algum”, prendendo-os em classes de baixo nIvel através do monitoramento de habilidades e da Educacâo Especial”. Sua proposta é uma reforma educacional que garanta currIculos que eliminam o impacto negativo desta história enraizada na vida dos afro-americanos.


Ida Mara Freire, do Sul do Brasil, nos faz pensar sobre a educacâo como igualdade de direito na diferenca, com seu texto Entre o pensar e o conhecer: um lugar para a diferença na formaçao de professores. Traz o “juIzo etico, com filósofos contemporâneos, para discutir as acôes afirmativas, mas, mais que isso, os direitos de todas as criancas a oportunidades iguais como direito humano.


De Mato Grosso, Jlma Ferreira Machado nos traz o campo para pensarmos a diversidade e a educacao brasileira. Em seu texto Educaçao do campo e diversidade, reafirma o tratamento discriminatório das polIticas páblicas voltadas ao campo, que negam o protagonismo e a autonomia dos homens e mulheres que, em sua realidade local, com seus saberes e práticas, empreendem projetos polItico-sociais e pedagógicos que contemplem as especificidades, em diálogo com o saber universal, superando a polarizacao campo-cidade”.


Zayda Sierra contribui com o resultado de dez anos de estudos com o Grupo de Jnvestigación Diverser, da Facultad de Educación, na Universidad de Antioquia, MedellIn (Colombia), sobre as PedagogIas desde la diversidad cultural: una invitación a la investigación colaborativa intercultural. Discute o vInculo existente entre o colonialismo e a modernidade para manter as diferentes violéncias (economica, epistémica, etnica, de género, social e existencial) que excluem grande parte da populacao colombiana, especialmente os indIgenas e afro-descendentes. Na exposicao, propôe a escola o rompimento com o imaginário colonial que nega a vida cotidiana destas pessoas e populacao, e a construcao de forma colaborativa com estas, reconhecendo e construindo pedagogias que coexistem no contexto latino-americano e que podem ser consolidadas em projetos de formacao de professores de forma intercultural, visando a uma existéncia num planeta justo, equitativo e em equilIbrio com a natureza.





A pesquisadora Eliane Debus oferece-nos uma importante discussao sobre as questóes étnico-raciais e a educacao, com uma análise critica sobre a literatura atualmente disponivel para o trabalho sobre a questao racial com criancas nas escolas brasileiras. No texto Meninos e meninas negras na literatura infantil brasileira: (des)velando preconceitos, analisa várias obras de autores que, na tentativa de tematizarem as questóes étnico-raciais, desvelam preconceitos na producao dos textos, seja na escolha dos titulos, seja nas ilustracóes ou na caracterizacao dos personagens. Com isso, enfatiza que ainda muito a ser feito para que nas escolas possamos ter materiais que subsidiem de fato os professores, mas, especialmente, nos leva a refletir sobre como o preconceito está enraizado na cultura brasileira e o quanto, a partir da consciéncia das relacóes de poder que se estabelecem entre os donos dos saberes e os alunos, podemos nos revelar preconceituosos e excludentes das diferentes formas de pensar, de sentir, de ser, para além da cor da pele e da classe social, mas que estas duas variantes sao, necessariamente, inegáveis nas relacóes sociais atuais.


lntegra a coletânea a inspiradora entrevista Negros e educaçao no Brasil uma entrevista com o coraçao de uma militante académica da professora dra. lolanda de Oliveira, da Faculdade de Educacao da Universidade Federal Fluminense, que nos brinda com sua história, entrelacando-a a história das politicas de acóes afirmativas no Brasil, ao mesmo tempo em que, como mulher negra, no Rio de Janeiro, mantém-se no exercicio do magistério e passa a ser uma das raras doutoras (negras) presentes na universidade. Mae de dois filhos, a frente da subsisténcia de si e dos meninos, um deles, de nome Nelson Mandela, guarda solenemente a foto do lider sul-africano com seu pequeno Mandelinha em 1991, quando de sua passagem no Brasil em 1991.


Suas memórias realcam a identificacao da universidade páblica como espaco decisivo para uma boa formacao, o que lhe custou esforco pela própria habilitacao em Pedagogia (UFF/1968) em turno noturno, em periodo em que a ditadura militar fustigava o ensino académico. Com as interpelacóes sofridas nos espacos do movimento social negro, demandando-lhe militância social, dra. lolanda conta seus dilemas sobre como inscrever em suas acóes académicas uma forca e legitimidade que via naquele movimento, como também como responder a uma divida com nosso povo negro”. As exigéncias que se colocaram em combinar sua condicao de mae, chefe




de famIlia e docente universitária, respondeu com: A militância pode ser académica! Eu you conciliar a militância com as minhas 40 horas, com a militância no interior da uniyersidade”. Uma presenca inspiradora neste Dossié, pela construçâo como académica, em que se inscrevem todas as iniciativas que tornaram a primeira década do século XXI um perlodo de lmpar mobilizaçâo académica e de constituicâo da agenda polItico-cultural sobre relacoes raciais e os negros na educacâo brasileira.


Com as presentes contribuicoes, trazemos alguns dos debates atuais sobre as polIticas de afirmacâo étnico-racial, a partir de dados históricos e documentos oficiais sobre a presença e auséncia da mulher negra na educaçâo e no espaço universitário, assim como as aparentes afirmaçoes étnico-raciais presentes na recente literatura infantil, mas também a diversidade e os direitos negados em contextos marginalizados em relacâo aos padroes culturais hegemônicos que definem como padrâo idealizado a cultura urbana, branca e eurocéntrica em toda a América. Reiteramos, pois, por meio desta publicacâo, a responsabilidade da universidade páblica com a formacâo dos profissionais da educacâo, na perspectiva de instigar e instrumentalizar a reflexâo sobre processos sociais implicados com uma educacâo emancipatória.




Florianópolis, junho de 2010.


Beleni Saléte Grando


Vânia Beatriz Monteiro da Silva