terça-feira, 12 de julho de 2011

Na companhia dos ancestrais

Aqui na sala 210 entre flores, desenhos da pequena na parede e varios livros sobre historia oral, direitos humanos e Truht and Reconciliation Commission por perto, na mesa uma xicara com cha roibos, o telefone e computador recentemente recebido, que voces ja percebem ao ler o texto sem acentos e outros sinais da lingua portuguesa ausentes. E tem o aquecedor para os dias frios. Esse e o cenario desse belo dia ensolarado, sem vento. Os passaros e a musica no fone de ouvido fazem a trilha sonora, alem do barulho do teclado.
Hoje me sinto melhor, depois de algumas semanas com o corpo dando sinais de exaustao. Eliminando os excessos e a lidar com a perda da minha linda cachorra Grey. Mas, o tempo nao para, como encantou Cazuza. E aqui seguimos aprendendo e crescendo, fazendo valer cada instante dessa nossa misteriosa existencia. Afinal, como escreveu a bela Clarice Lispector: Viver transcende todo entendimento.
Nas ultimas semanas temos vividos experiencias intensas com a danca sul-africana. A comecar com participacao de uma cerimonia com tradicionais "healers". Esse convite veio por parte de uma mae da escola da pequena que vivem numa Eco-vila. Vale lembrar que ela e uma inglesa branca e ele um sul-africano ruivo. O lugar antes era um hospital psiquiatrico e agora abriga varios projetos "alternativos". Nos fomos la assim que chegamos, para comemorar o aniversario da amiguinha, a pequena se soltou num "castelo" um pula-pula com agua. O pedaco de bolo da pequena caiu no chao, e me recordo a anfitria dizer: E para os ancestrais. E assim, comecamos nossa amizade. Ela sabendo do meu trabalho sobre danca, perguntou se eu teria interesse de ser convidada para uma cerimonia com os curadores ou curandeiros. Vou continuar usando a palavra "healer". Esse dia chegou, foi um final de semana, comecou a cinco da tarde e eu a pequena chegamos em casa as 3 da manha. Saimos da Eco-vila as cinco horas da tarde para levar as oferendas na floresta. Fomos em dois carros, eu e a pequena fomos na van, as mulheres foram cantando e tocando o tambor. Chegamos no Parque Florestal no alto da Table Mountan. Oferendas foram feitas embaixo de uma arvore e depois no rio, sementes, plantas foram entregues com cancoes e oracoes. Ver as criancas soltas no parque ao anoitecer, brincando, correndo de um lado para o outro foi uma otima sensacao. Depois voltamos para eco-vila e encontramos mais umas seis pessoas. Havia aproximadamente uns vinte adultos e tres criancas. Sentamos ao redor de uma fogueira. Mulheres com rosto pintados de branco, com turbantes coloridos, cobertores envolvidos nas costas, saias longas. Na noite recem chegada, me senti de volta a um tempo sem memoria. Alguns metros dali um grupo de aproximadamente seis homens, fizeram os sacrificios dos animais: uma ovelha e dois carneiros. Antes do sacrificio fizeram mencao aos ancestrais e abencoaram os animais. Em seguida, o dois healers mais antigos, conduziram a cerimonia. Bebidas foram servidas, e depois algumas partes dos corpos do animais foram assadas na fogueira e repartidas no grupo. Curiosa, em saber o porque daquelas partes perguntei para um jovem healer, ele falou que fiz a pergunta certa, mas a resposta provalvelmente somente os lideres da cerimonia (o homem e a mulher mais velhos do grupo) deveriam saber. Esse jovem branco norte-americano que um ano atras seguiu seu sonhos (literalmente) e veio fazer treinamento na Africa do Sul, me falou rindo que antes ele trabalhava com doentes mental e agora ele era considerado um deles. Entramos num salao e a danca comecou. Em circulo alguns dancavam e outros observavam, outros cozinhavam. A anfitria me deu a camera fotografica para eu tirar as fotos. E notei que uma mulher fazia comentario, sempre que o flash aparecia. Num momento da cerimonia, falei com ela que as fotos era a pedido da anfitria. Elas sorriram e falaram que a mulher estava a fazer piada comigo. Os passos da danca eram ritmados pelo som do tambor. Alguns faziam os passos com mais elevacao, outros menos, havia uma alternancia dos passos, com contra-tempo. Cada healer tinha um modo dancar especifico, principlamente algumas mulheres. O tambor tambem tinha uma batida que uma tradicional healer fazia questao de sentir a vibracao. Ela sempre vinha dar o tom. Em uma das maos cada um levava um galho de arvore que variam de entre 30 a 60 cm aproximadamente. Esses eram envolvidos em micangas, com desenhos geometricos multicoloridos. Os movimentos dos bracos, eram de extensao e contracao. Os passos no circulo eram feitos no sentido horario. As criancas aprendiam os passos, rapidamente na observacao e na escuta das batidas do tambor. Quando cansavam se retiravam, observavam e depois voltavam a roda. A cada momento, um/a healer trazia uma mensagem e depois cantava e dancava. Falavam da importancia de ter pessoas brancas interessadas, no grupo alem do casal que nos convidou, havia mais dois homens brancos. Recomendaram a aprendizagem da lingua Xhosa. E davam orientacoes. Atentei que uma delas invocou o nome de Jesus e o conteudo de sua mensagem foi bem crista e uma de suas cancoes em Xhosa, era a mesma que entoamos quando vamos ao culto na igreja metodista. No grupo havia uma jovem universitaria Xhosa, que parou os estudos para fazer sua formacao como tradicional healer. Ja haviamos encontrado ela no supermercado, acompanhada do casal, ela vestia os trajes da tribo dela, andava descalca, e agachada apoiada em dois galhos de madeira. Embora para nos a cena era insolita, mas para as pessoas no supermercado, tudo parecia bem normal. E esperado que cada familia envie um filho ou uma filha para ser tradicional healer. E tambem comum que todos facam os rituais que reverenciam os ancestrais, independente da religiao atual. Eles voltam as aldeias e durante os rituais eles sao lembrados pelos mais velhos de onde eles vieram e sobre seu verdadeiro self.
Voltando a cerimonia os anfitriaos me perguntavam com frequencia como eu estava, demonstravam atencao e tentavam me deixar a vontade. Ele me perguntou o que estava a pesquisar , falei sobre a danca e o perdao. Ele me disse que quando as pessoas dancam, as pessoas transmutam a realidade, e conseguem perceber ela e outro numa outra dimensao e isso facilita o perdao. A experiencia dele com o perdao, ele aprendeu com um medico homeopatico que sugeriu ele escrever uma nova estoria com episodio que envolvia perdao. Se a experiencia foi traumatica, faz necessario perceber essa experiencia de uma outra maneira. Contar essa estoria de um modo que faca sentido e libere perdao.
Por fim, a pequena nao conseguia dormir e voltamos para casa agradecidas, por esse momento de nossa viagem que tivemos o privilegio de reverenciar os nossos ancestrais.