sexta-feira, 27 de julho de 2012

Pensar e dançar por si mesma?


Neste mês de julho  estou a ler  “A arte de escrever” de Schopenhauer. Compartilho com vocês aqui um parágrafo, que espero com isso motivar a Leitora e o Leitor a pensarem,  a dançarem, não pensamentos e movimentos alheios, mas os seus próprios.  “A mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão proveitosa quanto uma bastante modesta, mas ordenada. Da mesma maneira, uma grande quantidade de conhecimentos, quando não foi elaborada por um pensamento próprio, tem menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no entanto, foi devidamente assimilada. Pois é apenas por meio da combinação ampla do que se sabe, por meio da comparação de cada verdade com todas as outras, que uma pessoa se apropria de seu próprio saber e o domina. Só é possível pensar com profundidade sobre o que se sabe, por isso se deve aprender algo; mas também só se sabe aquilo sobre o que se pensou com profundidade.”  A experiência do pensamento é algo que tenho aprendido sistematicamente nas leituras de Hannah Arendt e nos estudos da fenomenologia em geral. Mas, a motivação atual está em investigar a estreita relação, mas, não direta, entre pensar e escrever. E, de uma maneira mais precisa, o entrelaçamento  do pensar, escrever e dançar.

Não é desconhecida a relação entre a dança e o pensamento. O filósofo Alan Badiou dedica um capítulo do seu livro  “Pequeno manual de inestética” sobre a dança como metáfora do pensamento. A crítica de dança Helena Katz apresenta a dança como pensamento do corpo.  Mas,  o que estou aqui a ensaiar diz respeito à dança, à  escrita, e ao pensamento. Indago:  Como a dança enquanto pensamento do corpo se distingue de uma dança – experiência do pensamento? Como a escrita enquanto expressão do pensamento se distingue de uma escrita – experiência do pensamento?  Como uma escrita da dança explicita uma experiência  do pensamento?  

Aprendo no exercício de leitura e  de escrita  à maneira fenomenológica a atentar para  minha experiência  de pensar por si mesma. Começo por perceber a origem de um pensamento no ato  pré-reflexivo, no ato anterior ao próprio pensamento.  Medito. Noto e anoto  que a meditação – esta suspensão ao pensamento e ao ato de pensar  me coloca  neste lugar tão caro à experiência fenomenológica – a volta às coisas mesmas.  Atentar para a singularidade do gesto, a intenção de abrir mão e reduzir-me a uma postura: sentar; reduzir-me a um gesto: respirar; reduzir a uma palavra: silenciar; reduzir-me ao não pensar: recomeçar.


E assim, atento para a dança que brota dos gestos do meu corpo nestas manhãs frias. Movimento e danço no jardim: o corpo no espaço aberto, o equilíbrio  dos pés apoiados nos tamancos a caminhar  no solo irregular do gramado, desnivelado  pelas raízes expostas da Amendoeira em crescimento exuberante aqui no meu quintal. Danço  ao amanhecer,  observo a bela luz dourada do sol, as velozes nuvens, camadas de fina espessuras, entre chuva e algodão, cortina de espuma no azul suave. O silêncio entre o som dos pássaros e o martelar da construção ainda ausente. O cheiro inconfundível do café. O frio. Tudo isto me move, me faz dançar com as flores, para as flores. Danço, sem patrocinadores, sem editais. Então, para sair desta aparente solidão escrevo. E compartilho este gesto contínuo do corpo que escreve, pensa, dança, respira, abre mão dos aplausos, mas pergunta: Leitor e Leitora já pararam para  pensar e dançar por  si mesmos hoje?