sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Sinfonia silenciosa


Sinfonia silenciosa[1]
Autoria: Elaine Schmidlin[2]


Mary Sibande reorganiza memórias, restabelece percursos e cria outras relações espaço temporais. Sibande, pela repetição de um esteriótipo feminino no uso de uma série, ora subverte, ora reforça representações sociais, políticas e culturais sobre a mulher negra sul africana. Incorpora, reencena, descontrói para reconstruir no gesto artístico a sua identidade. Sibande revela a força feminina e a celebra acima de tudo em uma relação mágica. Seu gesto artístico performático é celebração silenciosa da alma feminina. Incorpora a personagem e celebra o outro do outro em múltiplas formas de ser com a vida.
Entre silencios, reorganizo meus dizeres e fazeres em arte e educação. Com Sibande apreendo o outro do outro em mim mesma. Mulher, artista, professora... costuro peles, por vezes, vitoriana como a veste da personagem Sophie de Sibande. Vesti-la, incorporá-la no meu cotidiano, por vezes, restringe meus movimentos. Com um gesto hospitaleito aprendo a habitá-la, mulher, professora, mãe... Vejo que habito apenas as bordas pois, rapidamente, sou outra de novo outra vez. Pele(s) que habitam em mim e que, por vezes, ocupo como veste encenando vidas.
Sibande encena, incorpora a personagem Sophie, em uma relação mágica, no entanto, é Sibande que se ‘irrealiza’ em Sophie, que a vive em seu imaginário. “Expressar é representar um certo papel pelo corpo enquanto este é capaz de se deixar envolver por outros papéis diversos daqueles aos quais habitualmente serve”. Sibande habita “esse fantasma cujos traços são fixados pelo manuscrito”, fala com o corpo em um conjunto original que propõe significação à obra. “O que aprendo a considerar como corpo do outro é uma possibilidade de movimento para mim”, pois na incorporação da personagem por Sibande, o corpo passa a significar seu pensamento estético.
Para Ponty “toda vida é a invenção de um papel que só existe pela expressão que lhe dou”. À margem do que percebo há uma quantidade de elementos não percebidos que são lançados no contexto existente. Margem da ordem do percebido e do existente. Entre eles escorre o tempo que costura em linhas circulares minhas ações. Se há criação de um papel ele só pode existir como experiencia a partir dos meus vividos como mulher, artista, professora, mãe... Sobre o fundo do passado escoado passo a existir pois “se viver é inventar, é inventar a partir de certos dados”.
Na sinfonia silenciosa, entre eu e o outro, acontece a expressão desmedida da vida. Sibande reiventa sua própria identidade em relação ao seu passado e ao outro. Eu redesenho margens entre arte e educação, laços de tal modo engajados que, pouco a pouco, nenhum limite é possível. Somente nas bordas a escrita estravasa o (im)pensado que traz a relação com o meu passado e com o outro.



[1]  Texto escrito tendo como referência a obra “Sinfonia Silenciosa” da artista sul africana Mary Sibande e o capítulo “A Experiencia do Outro” de Maurice Merleau- Ponty, contida na publicação “Merleau-Ponty na Sorbonne: resumo de cursos: 1949-1952”, editada pela Editora Papirus, Campinas (SP), 1990
[2]  Orientanda no Programa de Pós Graduação em Educação da UFSC, nível doutorado, da Profª Drª Ida Mara Freire.

Kim Liebermam e as Geografias Humanas


Seminário Especial: Estéticas do Silêncio: Alteridade, Arte e Educação.
Semestre: 2012.2
Professora: Drª Ida Mara Freire
Aluna: Juliana C. Pereira

Kim Liebermam e as Geografias Humanas



Kim Lieberman[1] parece nos oferecer em seus trabalhos as fronteiras que rompem as barreiras entre nós, através de suas obras, ela aponta para as relações.

A fronteira como um espaço móvel, permeável, onde as coisas não são facilmente nomeadas e podem ser percebidas na sua singularidade [...]
[...].Aonde está a fronteira neste lugar em que os limites se perdem nas curvas do rio e nas ramificações da floresta? A fronteira está nos corpos, na pele, na paisagem, nas fissuras da terra, na topografia, nos olhares e encontros.
As fronteiras existem para serem atravessadas[...] passagem, encontro e construção de novos territórios[...] Os pontos de contato com a diferença são espaços sempre férteis[...[ Olhar através de outras referências é se projetar para além dessa fronteira tênue, tentar enxergar aquilo que não se revela na nossa primeira mirada, os pequenos mistérios que nos mostram outras formas de perceber o mundo. A criação é constante mudança. [2]

Somos geografias humanas em constante ato de derivação, transformação, observadores ambulantes da transitoriedade da vida, que se estende, que se esvai, que se refaz.
Somos territórios movediços, num atravessamento do que fomos, somos, seremos.  Somos o outro do outro, do eu mesmo, do teu mesmo, de nós.  Diluímo-nos nas fronteiras, mesclamos as margens... Mutações...
Somos buscas incessantes por situações que sempre adquirem novas camadas. Carregamos nossas paisagens íntimas, que transbordam, conectam-se com o outro e criam novas redes: de afeto, de tração, de pulsão, de relações.
Somos territórios desdobrados, recombinantes, na procura de desterritorialização.
A rede/renda/linha que tece, que faz, desfaz nossas geografias é conduzida pela mão/ato em um movimento de ir e vir, transformar-se em outra estrutura; nos caminhos que percorrem os modos de ver e estar no mundo, numa impermanência.
Somos re-configuração incessante do espaço/tempo, da vida.
Merleau-Ponty, em a Experiência do Outro (1990), nos aponta:

É no mundo que podemos ter alguma possibilidade de encontrar uma experiência do outro. Trata-se para nós, não de supor certas concepções do eu ou do mundo e ver o que resulta a propósito do outro, mas de examinar como é preciso conceber o mundo para que o outro seja pensável. [3]

Perceber o sutil, a delicadeza, os desdobramentos dos atos. Nas palavras de Liebermam, as interações afetam nossos movimentos, elas nos levam a lugares... cada movimento que fazemos agita outras vidas[4], somos geografias, somos fronteiras que se rompem.
Nós, geografias humanas, somos Dispositivos que, segundo Deleuze[5], a partir de sua leitura de Michel Foucault, são linhas que não se limitam, não são sistemas homogêneos, seguem diferentes direções, traçam processos que podem estar em desequilíbrios, que ora se aproximam, ora se afastam umas das outras. As fronteiras não são fixas, podem sofrer rupturas, podem ser quebradas, sofrem variações de direções, se bifurcam... se encontram, como nas obras de Kim Lieberman. Percorremos terras desconhecidas no outro para encontrarmos nós mesmos.



[1] Artista visual, nasceu em 26 de julho de 1969 em Joanesburgo, África do Sul.
Graduada em Design Gráfico (1991) e em Artes (1995) pela Universidade de Witwatersrand Technikon. Mestrado em Artes (2001) também em Witwatersrand Technikon
Para mais informações sobre a artista, visite o site: kimlieberman.com
[2] Entre fronteiras. DA-RIN, Maya. Em: http://pib.socioambiental.org/pt/noticias?id=91835. Visitado em 20 de novembro de 2012.
[3] MERLEAU-PONTY, Maurice. A experiência do Outro. In: Merleau-POnty na Sorbonne: resumo de cursos: 1949-1952. Tradução: Constança Marcondes Cesar. Campinas, SP: Papirus, 1990, pg, 289.
[4] Em: http://kimlieberman.com/artist-statement, visitado em 20 de novembro de 2012.
[5] DELEUZE, Gilles. ¿Que és un dispositivo? In: Michel Foucault, filósofo. Barcelona: Gedisa, 1990, p. 155-161. Fonte: http://publicaciones.fba.unlp.edu.ar/wp-content/uploads/2011/08/Qu%C3%A9-es-un-dispositivo_GD.pdf. Acesso em 25 de setembro de 2012.