sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Plataforma Professoras Afrodescendentes Santa Catarina

Pessoal, peço que ajudem a compartilhar esta pesquisa para que possamos alcançar o maior numero possível de professoras negras no estado. O intuito é que a plataforma de visibilidade e sirva como ferramente de pesquisa sobre educação e protagonismo feminino negro.
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http://outrasantonietas.wordpress.com/

sábado, 27 de setembro de 2014

Compassos da Memória

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Foto de Josiane Lira

Ida Mara Freire
Publicado no Jornal Notícias do Dia 26/09/2014
A 4ª Semana Flamenca de Florianópolis, coordenada por  Carol Ferrari,  ocorreu de 08 a 14 setembro, o público participou das aulas de cajón, guitarra, castanholas, mantón, baile,  ministradas por profissionais de outros estados e países. De certo modo, as atividades possibilitaram reconhecer a memória da arte flamenca manifesta em cada gesto bailado. Pois, no flamenco cantar e dançar um palo é uma forma de fazer história,  observa Selma Treviños, trata-se de uma ferramenta para animar o passado ou uma “escrita” acerca de algo que já foi feito. Contudo, o que foi esquecido, ao contrário de ser ausência de algo que não está mais lá, pode ser a presença esquecida de algo que já esteve ali. 

No sapateado da dança flamenca, por exemplo, o colocar-se e o deslocar-se são movimentos primordiais que fazem do lugar algo a ser buscado em cada compás bailado.  Faz lembrar a repetição como a  energia que torna o baile possível.  Na busca de  interiorizar a canção, o cante, a palavra que se diz em voz baixa,  as bailoras  expressam a necessidade espiritual de comunicar tanto para si como para o outro, o modo de sentir a alegria e o sofrimento da vida  cotidiana. No palco,  elas deixam transparecer como os movimentos corporais são  feitos de fora para o interior, movimentos fechados, repetidos que, às vezes   confessam uma luta vã. Cada palo caracteriza-se em gestos diversos ora esguio feito torres ora em  torções que rebitam o corpo para o chão, como descreve Corinne Savy.

Na noite  de encerramento, no Espaço Sol da Terra, o espetáculo TABLAO inicia-se com as patadas de tangos,  ritmo  rico e versátil da Andaluzia, compasso quaternário bem marcado e o cante alegre e festeiro tecem  memórias que são ao mesmo tempo  íntimas e compartilhadas entre as bailaoras, o cantaor, o guitarrista e a plateia. A soleá, abreviatura cigana de soledad (solidão), interpretada por Chari Gonzalez,  conduz o espectador e a espectadora para um ambiente de relembrança intercorporal, fragmento de uma terra silenciosamente habitável.   Carol Ferrari baila alegrías, cante de festa, exteriorização de uma alegria em suas  trilhas e  obstáculos interiores. Na guitarra Jony Gonçalves e o cantor Ozir Padilha apresentam  fandangos, caracterizados por movimentos vivos e agitados. A siguiriya, bailada por Ana Paula Campoy,  de natureza profundamente emotiva, faz a plateia sentir  momentaneamente a desesperança e a crueldade do mundo.  Yara Castro baila uma soleá por bulería, ritmo com tonalidade mestiça  que evidencia no corpo o caminho musical.  O espetáculo vai  se fechando com a vivacidade das populares sevillanas  e a festividade das patadas por bulería, nesse palo rápido, o elenco têm a oportunidade de expor  a intensa memória corporal, alicerçada na obstinada e paciente repetição, potência criadora que reabre no corpo  um espaço do passado para se viver no futuro.

O espetáculo TABLAO mostrou, para quem foi ver e ouvir, como na herança do flamenco descobre-se que  o nosso lugar no mundo é ali onde está o nosso corpo.  No final desse  compás  a plateia ritmicamente  agradecida exclamou: Olé!

Email: Ida.mara.freire@ufsc.br  (*) Professora Associada do Centro de Ciências da Educação da UFSC. Realizou pós-doutorado em dança na Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Solos de Silêncio

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Vestígios do Silêncio
Ida Mara Freire

Existe muita coisa dentro do silêncio, descobrem Camila Miranda e Meline Costa, intérpretes criadoras do espetáculo Solos de Silêncio, apresentado  dia 05 de setembro na Casa das Máquinas , contemplado com o Prêmio Elisabete Anderle.
 
Foto de August Murad
Em cena as mãos das dançarinas tateiam a terra. A menina espectadora analisa a composição do solo ali exposto: seria argila, areia, silte... Solo. 1. Superfície sólida da crosta terrestre onde pisamos e construímos; 2. Bailado executado por um só dançarino; 3. Primeiro voo que o aluno de pilotagem faz sozinho, desacompanhado do instrutor. Escavo o solo silenciosamente a procura de palavras ainda vivas. 

Como escavar o movimento  criativo   e os modos de reconstrução do espaço para lidar com o conflito e a diferença numa dimensão dual? Ao colaborar com a pesquisa do espetáculo Diana Gilardenghi atualiza o papel do coreógrafo como aquele que  pergunta,  ouve atentamente e divide a responsabilidade com o outro. Esmera-se em atentar para o que não é dito, mas é dado  pela expressão facial, os gestos e a linguagem corporal, busca  com isso a inter-relação entre gestos e silêncio.

Mas os dois corpos, vestidos por Alice  Assal,  resistem ora calçados com suas botas ora com os pés livres na terra. Insistem e transbordam além das linhas e formas de um sistema complexo onde incessantemente vivem organizações, inércias, desorganizações e processos caóticos. Ao redor do tecido pendente do teto ao chão, tecem com o público a veracidade  das tramas que exacerbam o fato de que estamos a todo momento construindo e reconstruindo aquilo que somos e buscamos  ao ser e  ao estar com o outro.

O silêncio no corpo é contenção, afina assertivamente a  sonoridade de  Jorge Linemburg. É assumir a cadência de uma trilha interior. A música  anuncia um outro destino. Pausa, para mover-se para outra direção. Uma  dança que  vem do chão, iluminada rasteiramente por Marcello Serra, luminosidade que rastreia  o tropeço e demarca o estilhaço de ser um em dois. No mover-se na horizontal,  acompanha-me  André  Lepecki, estudioso desse corpo que abraça  a horizontalidade só por um momento ou  para o resto da vida. Os Solos de silêncio desafiam a plateia a explorar a temporalidade  daquilo que se ganha  quando se perde verticalidade, e do que  se alcança quando se ganha horizontalidade. 

“Num campo de silêncio, onde pastam manhãs, estou pelo que sou” as palavras de   Thiago de Mello revelam os vestígios desse espetáculo que corrompe as estruturas inertes com uma obstinada sensibilidade, convidando o leitor e a leitora enraizarem a coexistência no solo do coração.

Email:  ida.mara.freire@ufsc.br
(*) Professora Associada do Centro de Ciências da Educação da UFSC, pós-doutorado em dança Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Viajar e Dançar

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Viajar e  Dançar
Ida Mara Freire
Texto Publicado no Jornal Notícias do Dia, em 07/08/2014. Caderno Plural p. 4



Abertura da WDA, Angers, França, 2014

 A distância é parte da comunicação e o papel  e os deveres do espectador não podem ser equiparados com a passividade, sugere o filósofo Jacques Rancière; pois, em sua atitude perceptiva o espectador, observa, seleciona, compara e interpreta.  E então pergunto como podemos desenvolver novos públicos para a dança? Arrisco uma resposta: deslocando-se no espaço,  dançando ou viajando.   
  
Recentemente retornei   da viagem de estudos na qual  participei, com o apoio da Capes, do evento global da World Dance Alliance [Aliança  Mundial da Dança]  ocorrido de 6-11 de julho em  Angers, França.  Coordenado pela australiana Cheryl  Stock, a WDA ofereceu no Centro Nacional de Dança de Angers e na Universidade de Angers  uma plataforma  para troca de pesquisa acadêmica e trabalho artístico,  nutrindo oportunidades de desenvolvimento na área da dança para os profissionais dos 37 países participantes. Numa atmosfera de compartilhamento, um  sorriso ou um comentário da apresentação eram suficientes para  receber um cartão ou   e-mail com vídeo do trabalho apresentado. 

Em um mundo aterrorizado por amargas divisões  a WDA  sugere examinar o passado para trabalhar um futuro mais humano. Confrontando e desafiando a violência em todas as suas formas, incentiva  abraçarmos a diversidade cultural, buscarmos o conhecimento e a compreensão nos múltiplos pontos de vistas  que a arte pode oferecer.  Neste contexto apresentei  a vídeo dança  intitulada  Stone Water [Pedra e Água] como um ensaio de etnografia visual na qual saliento as texturas da sociedade sul-africana pós-apartheid a partir das imagens que evidenciam o tempo, as relações, o caminhar junto e as mãos dadas, presentes na infância, na percepção do outro e na experiência com a cegueira. Esses gestos que tocam o chão e o ser um do outro mostram que a superfície da pele e as pontas dos dedos são receptáculos de uma memória intercorporal. 
Abertura da WDA, Angers, França, 2014


Por isso, a WDA também interroga:  Como uma coreografia, em seu  renovado foco sobre o lugar da história, articula a relação entre passado, presente e futuro em uma realidade  globalizada? Uma resposta pode  ser a sua leitor ou leitora que lê  esse texto e aprecia a dança.  Em conversa com Jean Lee, pesquisadora da  Universidade de Londres  acerca da formação de plateia, escuto  sua descrição de como espectadores são mais ativos em sua interpretação da dança contemporânea do que  o contar histórias presentes no  balé clássico.  Obviamente,  em experimentos de dança contemporânea, o papel do público está em uma posição mais ativa. Produções de dança com imersão fornecem um ambiente que permite que os espectadores sejam integrados na cena, diluindo a distinção do espaço entre os dançarinos  e a plateia. Esse tipo de cenografia favorece  o público reagir aos movimentos dos bailarinos  com improvisação estruturada  ou frases coreografadas. Ocasionalmente, a plateia precisa dançar ou agir em conjunto com os dançarinos, tornando-se  às vezes coprodutora  ou testemunha da coreografia.  

Quem são e onde estão os novos públicos da dança? Parece-me que a resposta novamente envolve um deslocamento no espaço: o de sair da poltrona do conforto consigo mesmo e entrar  em  cena da arriscada  vida partilhada com o outro.

(*)Professora Associada do Centro de Ciências da Educação da UFSC,  Pós-doutorado em Dança pela Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul.




quarta-feira, 25 de junho de 2014

Dança: uma trama perceptiva


Dança: uma trama perceptiva

Texto publicado no Jornal Notícias do Dia em 26/06/2014
Foto de Yéssica Saavedra Seguel
A percepção do corpo no espaço  pode ser um lugar privilegiado para a leitora e o leitor entrelaçarem razão e sensibilidade.  Exemplo disso foi a estreia do espetáculo “Convite ao Olhar”. Na noite de 11 de junho, no Teatro Gov. Pedro Ivo, o elenco composto por Aroldo Gaspar Pereira Filho, Deivid Oliveira Velho, Fabiana Cristina de Souza, Gabriel Sanches Figueira, João Paulo Marques, Laís Bittencourt Fortes, Maura Marques, Ramon Noro e Roberta Nastari de Oliveira, dançam com elásticos amarrados em seus corpos e fixados em uma estrutura metálica vazada em forma de cubo. Os participantes da recém-criada Companhia de Dança Lápis de Seda, vinculada ao Baobah,  integram um projeto aprovado  na Lei  Rouanet,  que  além de receberem treinamento técnico em dança, interagem com artistas das áreas de música, design, artes plásticas e artes cênicas,  tendo como desdobramento uma pesquisa com o tema "transformação do indivíduo através da arte" a ser realizada pela coordenadora do  projeto, a psicóloga Jussara Figueira, e a atriz Marisa Naspolini.

A estrutura multifacetada, projetada por Ramon Noro, está localizada no centro da cena e possibilita a invenção de campos  intelectuais e sensoriais entre os dançarinos e  a plateia. No olhar da espectadora e dançarina Ana Flávia Piovezana dos Santos, interessada na amplitude  do espaço, chama a sua atenção o corpo a se movimentar entre os  contornos,  ângulos, distâncias e alturas do cubo 3X3 destacado pela iluminação diáfana de Marco Ribeiro.  A voz de uma espectadora mirim, durante o espetáculo, descreve o que ela percebe: os pés descalços dos dançarinos maleavelmente vestidos por Emmanuel Bohrer Junior;  a fumaça  cheirosa que as dançarinas sopram das mãos formando uma pequena nuvem diante das faces; e algumas vezes  seus gestos alegres acompanham com  cadência a trilha musical composta por Luiz Gustavo Zago.

Para Analu Ciscato o desafio da criação coreográfica não está na composição da dança para um corpo diferente, mas sim na busca de uma compreensão que respeite como pessoas diferentes entre si podem apreenderem um movimento específico a partir de pontos de vistas  diversos. Pois,  nossa percepção cotidiana, como nos lembra Maurice Merleau-Ponty (1908-1961),  não é um  mosaico, mas um conjunto de objetos diferenciados na estrutura de uma “figura sobre um fundo”, nesta relação o que  aparece como uma figura se mostra independente  da  nossa vontade e da nossa inteligência.

Por fim, nesse espetáculo o espectador é convidado a perceber o que esses corpos, ora presos no cubo vazado ora livres atados aos elásticos,  ensinam acerca da flexibilidade e da rigidez das tessituras dos relacionamentos humanos.  Quando jovens e adultos desenham na invisibilidade da cena a solidão como figura – que é mais sentida e dolorida na calada companhia do outro;   ou a solidão como fundo – no sentir-se bem consigo mesmo embora o outro esteja fisicamente ausente; constata-se  que na trama perceptiva da dança, o espaço não é uma característica da visão, mas sim da intuição.

Ida mara Freire
Professora Associada ao Centro de Ciências da Educação da UFSC, Pós- Doutorado em Dança pela Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul


sexta-feira, 30 de maio de 2014

Escrituras Coreográficas


Escrituras Coreográficas

A chuva e o frio não foram impedimentos para  plateia  do Múltipla Dança participar assiduamente  das oficinas, dos diálogos e dos espetáculos e escrever suas “corpografias”: uma escrita movente, articulada no deslocamento do gesto que escreve para o gesto que  dança, notações das marcas de passos, lapsos e lampejos da memória intercorporal entre o dançarino e a plateia. Experimentação identificada nas proposição das Múltiplas  Escritas, coordenado por Anderson do Carmo e Sandra Meyer Nunes, cujo procedimento para os interessados em escrever um texto sobre as atividades da programação deixavam uma pista de pensamento para quem  escrevesse o próximo texto.  Com isso se pratica a reflexão na dança, enfatizada na contaminação mútua de quem escreve e lê acerca da experiência do dançar, presente no exercício crítico  debatido na tarde de quarta-feira no Centro de Desportos da  UFSC, no Diálogo entre  Ana Francisca Ponzio,  Joubert Arrais e Sandra Meyer , no qual a jornalista Néri Pedroso tematizou a importância do discurso crítico como ponte  e não como barreira entre a obra do artista e o público.

Escrituras que o leitor e a leitora espero terem tido durante a semana a oportunidade de apreender, seja ao
 testemunhar no solo “Solidão Pública” de  Adilso Machado, um partir  de si mesmo em direção a um outro que nunca se alcança,  sensação desértica da afetividade aterrissadas pelas composições de Tom Monteiro. 
Michele Moura por Cristiano Prim

Talvez,  no trabalho da dançarina Michele Moura, “Fole”,  a percepção de vocês tenham se alterado,  por segundos,  quem não notou em seu próprio corpo o eco dos vocalizes amplificados por Rodrigo Lemos,   ou como as reverberações dos intensos movimentos criam histórias de corpos desnudos,   destituídos de  um querer que nem todos  querem ver.  O solo de Alejandro Ahmed, “Sobre Expectativas e Promessas”  se instala em uma vontade de desaparecimento. Acompanhado de Hedra Romagnani ocupam o espaço vital  deixando  rastros sonoros e luminosos de seus movimentos que  desafiam  o espectador em busca de autoria. Dilema contemporâneo  que junto com Ítalo Calvino nos induz desvendar quem é cada um de nós senão uma combinatória  de experiências, de leituras, de imaginações, de movimentos.  “Maneries”, espetáculo que encerrou  o Múltipla Dança no domingo, dirigido por Luis Garay, expõe o corpo  como produtor e receptor de possibilidades linguísticas,  que a dançarina Florencia Vecino,  banhada pela luz de Eduardo Maggiolo,  forma e, com a música de Mauro Ariel Panzillo, transforma  diante do nosso olhar contemplativo.  

O Múltipla Dança, confirmando aposta inicial da curadoria, apresentou  em sua diversa programação a dança para além de um eu individual,  a dança que dá lugar para a ausência, a dessemelhança, ao que está só, que abre espaço para a descontinuidade e promove uma escrita  crítica e criativa para fazer falar o que não tem palavra: o  ninho de João-de-Barro na sacada,  os utensílios de uma bolsa alheia, o pescar a luz com paciência no poço da escuridão...

Ida mara Freire ida.mara.freire@ufsc.br Professora Associada  do Centro de Ciências da Educação da UFSC. Pós-Doutorado em Dança pela Universidade  da Cidade do Cabo, África do Sul.
Publicado no Jornal Notícias do Dia em 28/05/2014

terça-feira, 27 de maio de 2014

Dança: criação infinita

 
                                             Dança: criação  infinita
Na noite de quarta-feira, no teatro da UBRO, o Múltipla Dança apresentou o solo Finita,  dirigido e interpretado por  Denise Stutz,  dedicado à sua mãe. Surgido da necessidade de compreender a falta, o que se vivenciou durante o espetáculo  foi o exercício de equilíbrio sutil  entre a lembrança e o esquecimento. Enquanto  a plateia  buscava um lugar para  assistir a dança, ao fundo do lado esquerdo  palco, ainda em penumbra, Denise Stutz já estava a se movimentar.
Foto de Cristiano Prim

Ela caminha para a frente do palco,  agora um pouco mais iluminado, conta estalando os dedos,  anda em direção, ao que faz imaginar ser  uma vitrola,   e a sonoridade de Preludio e fuga em dó maior de J.S.Bach invade o ar, vai para trás das cortinas. No palco, a cadeira vazia  preenche-se  com os pensamentos da plateia. Vestida de uma bermuda xadrez,  camiseta e um calçado confortável, ela se mostra  à vontade com o corpo, com a dança,  e com o lugar  aonde está: o teatro. Não se trata de um texto decorado, nem de passos demarcados, mas de um degustado trabalho de memória viva.  Narra para a sua mãe ausente  como que a vida de uma  bailarina  é sustentada por um infinito contar: um, dois, três, quatro...  Desfia como contas de um colar, fragmentos de uma vida permeada pela ausência e pelo desaparecimento de alguém que se ama; pérolas que a plateia, sensivelmente deslocada  entre sorrisos e lágrimas, colhe para si. “A vida  vai depressa e devagar. Mas a todo momento penso que posso acabar.” Cecília Meireles com seus poemas  enraíza nossa finitude em nossa mente. Similarmente, Denize Stutz  ao dançar  faz que o espectador escave para além dos tecidos de sua pele suas memórias corporais. Ambas  nos oferecem  o cálice da demora  da ausência em nosso  próprio ser,  essa despedida pronta  a cumprir-se. Diante do aplauso dá-se o sinal que o espetáculo acabou,  desconfiado o público não sabe como se comportar ao ver que a bailarina Denise Stutz não para de dançar.
“Meu processo de criação me ocupa o dia todo. Às  vezes estou na rua , e não estou enxergando, acordo a noite para resolver  um problema. Porque são problemas ou resoluções. É muito interessante quando estou nesse estado de criação que é necessário dizer. Você tem a sensação da necessidade de falar e você começa a construir. A construção e  desconstrução de um material de criação é quase matemática.  A criação é uma desorganização.” Essa escrita de Denise Stutz  está impressa no livro de Lilian Vilela  intitulado  “Uma vida em dança:  movimentos e percursos de Denise Stutz”, lançado na noite de quinta-feira  na Fundação  BADESC,  juntamente com o filme Limiares, dirigido por Sandra Meyer, sobre a vida  do  dançarino Anderson  João Gonçalves. Mais  um  momento  que  fomos suspensos pela percepção que o corpo é finito, mas a dança  é eterna.
Ida mara Freire ida.mara.freire@ufsc.br Professora Associada  do Centro de Ciências da Educação da UFSC. Pós-Doutorado em Dança pela Universidade  da Cidade do Cabo, África do Sul.


Publicado no Jornal Notícias do Dia 26/05/2014

O dançar e o tempo

O dançar e o Tempo
O Festival Internacional Múltipla Dança, na tarde de terça-feira, iniciou-se com um diálogo entre o Alejandro Ahmed, Lilian Vilela e Denise Stutz,   acerca da pesquisa biográfica em dança.  No auditório do Centro de Desportos  da UFSC, um público de estudantes, dançarinos, pesquisadores e professores tiveram  a oportunidade de ouvir, conversar sobre a articulação da  narrativa com o tempo e explorar como  uma escrita biográfica auxilia a dar forma à experiência humana. A pesquisadora  Lilian Vilela  descreve  seu processo de escrita biográfica sobre a dançarina Denise Stutz, registrando uma intrincada teia textual entre memória, corpo e escritura. A composição do diálogo coloca lado a lado aquela  que escreve a respeito da vida  daquela que dança.  E Denise Stutz, também presente na conversação, desvela que sua história  e sua memória estão  presentes mais  em seu  corpo que em suas palavras. O coreógrafo e dançarino Alejandro Ahmed, permite que sua trajetória de vida embaralhe-se com a da Companhia de Dança Cena 11,  busca apreender  a  biografia como comunicação de ideias do corpo presente no tempo e no mundo. Por conseguinte, a narrativa no contexto da dança expõe os eventos dentro de uma ordem particular e  nos faz perguntar  como o corpo lembra?
Ao trazer em cena a biografia no contexto da dança, seja ela escrita na carne,  ou palavras verbalizadas, o Múltipla Dança sugere o exercício  de vasculharmos nossa atitude perceptiva e tentarmos  identificar como o tempo afeta a nossa compreensão de nós mesmos. Essa busca da temporalidade ancorada na interrogação  prioriza a descrição da experiência vivida.  Tal conhecimento incentiva a leitora e o leitor   contar  diferentes estórias sobre si mesmo no transcorrer da vida. Surpreendentemente, a narrativa sobre a vida  de cada um de nós mudará durante o tempo que estivermos vivos. O  que se mantém, o que se modifica na existência, e no corpo, que cria a sensação dessa dança escorrendo entre os dedos do tempo vivido?
Cia  de Dança Esther Witzman Foto de Cristiano Prim
Indagação essa que  Alexandre Bhering, Marcelo Lopes, Mônnica Emilio, Peter Mark, Vandré Vitorino, elenco da  Companhia de  dança Esther Weitzman,  encorajou  a plateia  pensar  ao apresentar a coreografia  intitulada  O Tempo do Meio. Dirigido por Esther Weitzman, o espetáculo de abertura  do Múltipla,   enfatiza a valorização do movimento como um acontecimento único e inusitado, chamando atenção, por exemplo,  para o instante  entre o passo e o estalar dos dedos do dançarino, na composição  do silêncio circunscrito na musicalidade de Jean Jacques Lemêtre, no qual o tempo nunca passa.   A pausa revestida pela luminosidade impressionista  de José Geraldo Furtado e as transposições do movimento entre os corpos que ali no  cenário  de Leo Bungarten  são traduzidas na leveza e no vazio, descortinam um esperar para compreender. Para o corpo que dança,  o instante não é uma ficção, e sim, o ponto  em que um gesto se acaba  e um outro começa.
Ida mara Freire ida.mara.freire@ufsc.br Professora Associada  do Centro de Ciências da Educação da UFSC. Pós-Doutorado em Dança pela Universidade  da Cidade do Cabo, África do Sul.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Múltiplas Indagações


Múltiplas Indagações

“O que ou quem te move? Por quais forças você é tomado?”  Perguntam  Jussara Xavier e Marta Cesar, curadoras do Múltipla Dança- Festival Internacional de Dança Contemporânea,  premiado pela FUNARTE, que hoje volta à cena catarinense em seu sétimo ano. Ao sustentar a experimentação de um eu que não vive só para si, mas também para os outros, o Múltipla esse ano oportuniza ao espectador a experiência biográfica na área da dança, seja ela escrita, dançada, falada ou filmada.  E talvez,  o enigma que caberá o leitor  e a leitora decifrarem será:  o que faz a dança se entrelaçar com a vida ao ponto de desconhecermos se é a vida dedicada à dança, ou se  a dança que é dedicada à  própria vida?



O filósofo grego Epicuro (341 a.C.) ensina que a felicidade está sustentada em três elementos essenciais para a vida humana: a liberdade,  a vida analisada e a amizade.   Pensar a felicidade na dança está em descobrir um tempo e  um lugar para ela em nosso corpo. Isso favorece investigar como o ato de dançar sustenta a minha liberdade. O segundo elemento,  uma vida analisada, corresponde a ocupação de um campo perceptivo na dança  para refletir sobre a própria existência. Por fim,  a amizade, o encontro inspirado pela dança explicita como quem dança partilha sua vida com os outros.

Vamos  atentar para  quem nos move.  E o Múltipla  acerta ao  homenagear Sandra Meyer Nunes.   Dançarina,  professora, doutora, pesquisadora, crítica de dança, palavras insuficientes para inventariar sua contribuição para a Dança em Santa Catarina. Muitas são as funções que tem desempenhado para responder  as perguntas  feitas por Jussara Xavier no dia mundial da dança à comunidade dos profissionais de dança:  “Dançar? Para que estudar dança? Para que ensinar dança? Para que uma faculdade de dança? Para que investir dinheiro em dança? Para que dançar? “   E  quem é afetado pela vida de Sandra Nunes, pode arriscar uma resposta: para ser feliz!  Pois,  Sandra com sua amizade acolhe o que é singular na pluralidade mundana,   escreve para não esquecer a quem se ama,  e ensina  que a dramaturgia de um corpo manifesta uma  estética e também uma  ética.

O Múltipla Dança ao sobrepor diferentes práticas e discursos, privilegiando a aventura do conhecimento e a diferença como potencial instauradora de novas perspectivas  desafia manter viva a  vontade de perguntar. E numa atmosfera do jardim epicurista oferece para quem aprecia  a dança, encontros oportunos  para cultivar as amizades e criar dança com liberdade, e diálogos  para  analisar a vida.  

Estarei por aqui nos próximos dias para descrever,  narrar como a vida dos profissionais  de dança, vivida em busca  da sustentação do próprio gesto,   pode nos provocar a indagar   acerca de uma existência livre e feliz. Eis a proposição: escreva, dance e pergunte: dançar para quem?
Ida mara Freire
Ida.mara.freire@ufsc.br
Professora Associada  do Centro de Ciências da Educação da UFSC
Pós-Doutorado em Dança pela Universidade  da Cidade do Cabo, África do Sul
Publicado no Jornal Notícias do Dia em 20/05/2014

domingo, 18 de maio de 2014

Múltipla Dança 2014

Festival Múltipla Dança – ano 7

Webnode
O que ou quem te move? Por quais forças você é tomado? Múltipla Dança é um encontro forjado em função do desejo que, conforme o filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995) é em si mesmo “revolucionário”, pois quer sempre mais conexões e agenciamentos. A edição 2014 pretende sustentar a experimentação do “eu” que se constitui, antes de tudo, como desejo. Não se trata de exaltar modos de narcisismo e individualismo mas, ao contrário, de alimentar uma abertura às forças e multiplicidades que atravessam o corpo, aumentando sua potência de ser e agir. Sabemos que todo corpo é biografia, mas como pesquisá-lo, conhecê-lo, dizê-lo? Como biografar um corpo, articulando real e ficção, privado e público? O programa destaca o interesse de investigadores e artistas na prática da biografia - escrita, falada, filmada, dançada – na área da dança. 
Múltipla Dança segue organizando e buscando encontros, pois entende que justo eles nos levam a pensar-criar. Na construção deste tempo-espaço comunitário, oferece diferentes oportunidades de interação, de exercício e aprofundamento de nossa capacidade relacional: além dos espetáculos, a programação inclui aulas práticas e conversas com os criadores convidados. O foco é a dança contemporânea: cena complexa, acelerada por metamorfoses e contaminações entre corpos, artes e mundos. Cena cujo corpo se multiplica num plano de ações, buscando sempre a incorporação de novos estados, imagens, sentidos, efeitos e habilidades. É possível apreender tal modo de dança em sua singularidade? Em 2014, vamos também
(re)descobrir a tarefa da crítica. 
Seguimos com o propósito de sobrepor diferentes práticas e discursos, privilegiando a aventura do conhecimento e a diferença como potencial instauradora de novas perspectivas. Manter viva a pergunta é o convite, e um começo. Já o disse Pina Bausch (1940-2009), ao receber a láurea honoris causa na Università degli Studi di Bologna, em 1999: “As perguntas não param nunca e nem a busca. Nessa existe algo de infinito, e esta é a coisa bela. Ao olhar nosso trabalho, tenho a sensação de ter apenas começado”. Sandra Meyer, homenageada desta edição, comprova: mesmo tendo já feito muito, continua... leva a sério o desejo, sabe que ainda há muito a fazer. Especialmente para ela, mas também para todos os profissionais incansáveis da dança, nossa reverência.
Venham todos! “Sempre há o que ver” (Rainer Maria Rilke).
Jussara Xavier e Marta Cesar
Curadoras do Múltipla Dança

segunda-feira, 31 de março de 2014

Tempo e Narrativa na Pesquis Fenomenológica





Serviço Público Federal
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NÍVEL: MESTRADO/DOUTORADO
SEMESTRE: 2014.1
CÓDIGO: PPGE _______
Seminário Especial: Tempo e Narrativa na Pesquisa Fenomenológica
CRÉDITOS: 02
CARGA-HORÁRIA: 30 HORAS
HORÁRIO: QUINTAS-FEIRAS, 14:00 as 17:00 HORAS

PROFESSORA: DRª IDA MARA FREIRE
Plano de Ensino
EMENTA:

Noção de temporalidade. Narrativas, ficção, iintsomi. África do Sul.  Pesquisa Fenomenológica. Percepção do outro. Biografia. Corpo e Escritura. Descrição fenomenológica.
OBJETIVO GERAL E/OU ESPECÍFICO:
·      Proporcionar aos estudantes o estudo do tempo e da narrativa na perspectiva fenomenológica.  
·      Explorar o impacto da noção de temporalidade no texto dissertativo.



CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

Tema I. Noção de temporalidade na fenomenologia.

Tema II. Narrativas, ficção, iintsomi. África do Sul.
Tema III. Pesquisa Fenomenológica.
Tema IV. Percepção do outro.
Tema V.  Biografia e Autoria
Tema VI. Corpo e Escritura.
Tema VII. Descrição fenomenológica.
Tema VII. Silêncio e Escrita

Cronograma
1º. Encontro – A experiência do tempo interno em Edmund Husserl

2º. Encontro –  Oralidade e Escritura no contexto sul-africano

3o. Encontro – Corpo e tempo na pesquisa fenomenológica

4o Encontro –  A percepção do outro  na pesquisa
5o Encontro –  Biografia e Autoria no texto dissertativo

6o. Encontro – Corpo e Escritura
7o Encontro –  Descrição Fenomenológica
8o Encontro –  Silêncio e Escrita
9o Encontro –  Apresentação dos Ensaios
10o Encontro – Apresentação dos Ensaios



METODOLOGIA

Aulas com leituras e escritas de textos
Aulas  com observação de vídeos de entrevistas com narrativas




AVALIAÇÃO

Frequência e participação nas aulas
Escrita de um diário de campo
Elaboração e apresentação de um ensaio




Bibliografia complementar

BARTHES, Roland. O prazer do Texto. Perpectiva. 2006.

BONDER, Nilton. Deus e o sempre. Rio de Janeiro. Rocco: 2011

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